terça-feira, 29 de junho de 2010

Sinais de Fogo:

O desprezo é a minha distinção e é a distinção dos melhores portugueses. Tenho para mim que o português é a melhor língua para desprezar. Bom, adiante. Estou sentado a um canto da sala. Ao meu lado está a descansar de ser manuseado freneticamente os “Sinais de fogo” do Jorge de Sena, esse desprezado. Na minha cabeça vai uma ideia insistente sobre o personagem Jorge: “Há algo de trágico no enorme número de jovens, que começam a vida com perspectivas perfeitas e acabam por adoptar alguma profissão útil”. Eis senão quando, no apartamento ao lado, os vizinhos, um homenzinho sério e seco e uma matrona baixa e de ancas largas, riem. Apuro os ouvidos. É só o que qualquer pessoa normal faria, mas eu não (Deus sabe que eu não sou uma pessoa normal); desloco-me e encosto o ouvido. O Homenzinho Sério está, parece, em êxtase, e pede, por favor, que ela o deixe enfiar? O quê? Repete várias vezes e aí tenho a certeza: o gajo quer anal e repete para que ela se convença, mas a tipa resiste. E ele não se limita a repetir a frase, porque os gritos a seguir devem ser audíveis a três quarteirões. Posso resistir a tudo, menos à tentação de me rir quando encontrar a gorducha vizinha sodomizada no elevador. E ela vai gemendo, chorando, e pedindo, já exausta, pela ajuda do seu Deus. Volto ao livro e penso: não poderia haver melhor ambiente para os “Sinais de Fogo”.

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