quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dois poetas:

Sete anos de pastor*
Camões


Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida,

começa de servir outros sete anos,
dizendo: “Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.”

*Publicado pela primeira vez em 1595, quinze anos após a provável data da morte do poeta.

******

Primeiro Fausto
"Primeiro tema: o mistério do mundo": VI
Fernando Pessoa

Ah, tudo é símbolo e analogia!
O vento que passa, a noite que esfria,
são outra coisa que a noite e o vento —
sombras de vida e de pensamento.

Tudo o que vemos é outra coisa.
A maré vasta, a maré ansiosa,
é o eco de outra maré que está
onde é real o mundo que há.

Tudo o que temos é esquecimento.
A noite fria, o passar do vento,
são sombras de mãos, cujos gestos são
a ilusão madre desta ilusão.

Sem comentários:

Enviar um comentário