sábado, 10 de julho de 2010

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Luc Ferry é um pensador por quem tenho respeito. Não concordo com a maior parte do seu pensamento, mas, ainda, penso que cumpre bem a função de pensar o mundo e fazer-nos pensar com ele. Daí o respeito que não sinto por qualquer um da área dele, mas deste sim. Num dos exemplos que lhe é recorrente para explicitar a necessidade do homem adoptar uma nova crença sem Deus, aceitar a condição de mortal e ainda assim caminhar rumo ao "outro mundo possível", é a fábula do Ulisses de Homero. Precisamente quando o herói regressa vitorioso da guerra de Tróia e é raptado por Calypso, perdidamente apaixonada por ele; Ulisses prefere o regresso à pátria e à sua família, ao invés de conservar eternamente a juventude no colo da deusa. Diz Ferry, que a escolha pela mortalidade, a preferência da vida mortal repleta, a uma vida imortal triste, é a "escolha". É um respeitável optimista total este Ferry. Acontece, no entanto, que homem já exerce controle sobre muitas coisas na vida; pelo menos sobre o suficiente para que ele, homem, para além de tudo, ainda seja herói duma fábula grega. Duas coisas: por um lado, é estranho o recurso à fábula, aos contos de fadas, para negar a existência de Deus e da imortalidade; por outro lado, não estranha que o discurso dos materialistas seja tão circular para fugir ao paradoxo: não gosto de ervilhas, porque se gostasse de ervilhas tinha que comer ervilhas e eu não gosto de ervilhas. Não esqueçamos que o que Ulisses faz é a escolha entre imortalidade infeliz e mortalidade feliz, optando por esta; assim como o Luc Ferry pode optar entre acreditar na imortalidade da alma (coisa que o deixaria extraordinariamente infeliz) e a mortalidade (resta saber se feliz). Todos, aliás, temos essa escolha. Não ouvirão nunca da boca dum católico que os ateus estão proibidos de serem ateus. Agora este livro sobre a família: Luc Ferry, acompanhado por uma imensa mole de idiotas úteis, proclama a família moderna baseada no amor e na diversidade, contrapondo-a à família dita burguesa baseada na hipocrisia. De certa maneira tem razão, mas não toda. É que a meu ver a família dita burguesa é a mesmíssima família moderna: diferente apenas nas escolhas, designadamente permitindo casamentos homossexuais; e diferente no seu tónus democrático. Agora isso não significa que tenha ganho o amor. Nada. Aliás, pela taxa de divórcios poder-se-ia garantir que o amor é uma realidade que carece de prova. Ora, a família é uma instituição onde devem imperar limitações. Sff não se confunda a instituição família com a decadente família burguesa onde a cama do casal era partilhada com a cama da puta no bordel e a mulher era constantemente diminuída no seu papel. Não, a família é uma prática que torna a vida romântica e cheia de excitantes imprevistos e é a existência de grandes e nítidas limitações na família que nos obrigam a fazer frente a coisas que nos desagradam e que não esperamos, e com isso crescemos homens e mulheres bem formados. É em vão que alguns pedantes modernistas se queixam da família dizendo que cria ambientes hostis. Ora, estar no mundo é estar num ambiente hostil tal como era hostil o mundo para Ulisses e o obrigou a tomar uma opção — concluindo-se que termos nascido e estarmos vivos é o equivalente ao drama de Ulisses e a sua opção pela família. A família é a mais importante de todas as limitações e moldes que dão forma, ou que criam, a poesia e a variedade da vida. Daí ser tão mal compreendida pelos modernos, pois imaginam que o romance sairia mais perfeito dentro de absoluto estado de liberdade. Chama-se a isto a busca (a todo custo) da fórmula de um mundo sem limites do “melhor mundo possível”, isto é, um mundo sem contornos, um mundo sem formas definidas. Uma espécie de infinito. Negam a família cristã porque não aspiram a ser tão fortes como o universo, quando o que realmente aspiram é que o universo inteiro seja tão frágil quanto eles. Luc Ferry, obrigado pelo esforço, mas este jovem não aceita.

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